O site Migalhas publicou decisão da 16ª Vara Cível de Porto Alegre sobre rumoroso e execrável ato de racismo envolvendo a rede de supermercados Carrefour e que resultou na assinatura de um TAC no valor de 115 milhões de reais. Segundo tal notícia:
A Justiça de Porto Alegre determinou que o Carrefour pague 3% de honorários a advogados de entidades após acordo firmado de R$ 115 milhões. O valor será empregado no estabelecimento de ações de enfrentamento ao racismo após o caso da morte do homem negro João Alberto em uma unidade da empresa. (…) Após a celebração do TAC, as entidades e o Carrefour requereram a extinção da ação com resolução de mérito, mas divergiram em relação aos honorários. (…) O Carrefour manifestou-se discorrendo acerca do descabimento de arbitramento dos honorários advocatícios em favor dos patronos das entidades, pois não houve prévia fixação em título judicial. (…)
As entidades, no entanto, disseram que não insistiram no TAC na inclusão dos honorários advocatícios para não obstar a celebração de acordo em matéria tão sensível(…).
O ponto que quero destacar aqui é sobre a importância de, numa negociação seja de um termo de ajustamento de conduta de tamanha magnitude como esse ou de um acordo entabulado através de uma mediação mais simples, mapearmos todos os possíveis stakeholders envolvidos e seus interesses na completa solução do caso.
Nem a notícia acima referida, tampouco a decisão esclarece suficientemente os motivos pelos quais o tema dos honorários advocatícios foi deixado a latere da composição, sendo o mesmo um item crucial para o cabal encerramento do litígio com todas as “partes” verdadeiramente envolvidas na disputa, o que evidentemente inclui seus advogados.
Obviamente, pela limitação do conhecimento dos fatos e das circunstâncias em que se deu a negociação do TAC, que envolveu o Ministério Público e Defensoria Pública também, não é possível aferir qualquer juízo de valor quanto ao acerto ou não da referida decisão e sobre as negociações subjacentes. Porém algo faltou e o litígio seguiu adiante com a discussão da referida verba honorária ao invés da disputa ser integralmente resolvida cocomitante ao TAC.
Segundo o magistral livro 3D Negotiation, o bom negociador tem um dever de casa essencial para o êxito e perenidade do acordo ou do negócio concluído, qual seja, identificar todos os players e respectivos interesses que estão em jogo. Segundo seus autores, David A. Lax e James K. Sebenius, o bom negociador deve manter “… todos os jogadores internos potencialmente influentes em sua tela de radar” e não deve perder de vista “seus interesses ou sua capacidade de afetar o negócio. O que é ‘racional’ para o todo pode não ser para as partes”.
No caso concreto não se sabe o motivo efetivo pelo qual tal tema não foi resolvido na mesa de negociação já que até o óbvio precisa ser também negociado.
Contudo, o saldo tremendamente positivo deste TAC é o acolhimento e o enfrentamento de questão tão sensível em nosso país como é o combate ao racismo.
Parabéns aos artífices deste acordo!
(Julho de 2021)