“Desculpa, errei!”

É no mínimo desafiador trazer um tema que aparentemente nada tem a ver com o ambiente de resolução de conflitos sob o controle judicial ou através de uma mediação sobretudo no que diz respeito a disputas comerciais. Refiro-me a possibilidade da parte que se considera culpada ou responsável pelo evento que desencadeou o conflito “pedir desculpas” no curso do processo ou mesmo no seu início.

Quando crianças somos ensinados pelos nossos pais a pedir desculpas quando fazemos algo errado. Quando adultos muitos de nós, talvez a maioria, segue na mesma toada com algumas travas psicológicas ou comportamentais próprias da vida em sociedade. Porém, como adverte Elizabeth A. Nowicki em artigo explorando o tema “pedir desculpas” vs. “boa advocacia”, “Esta norma de pedir desculpas largamente desaparece se (…) a criança cresce e, contudo, se torna advogado” (tradução livre). Não que nós, advogados, não peçamos escusas quando por exemplo batemos o nosso carrinho de compras no calcanhar da pessoa que está à frente na fila do supermercado. O ponto aqui é que nós, e aqui eu realmente estou me incluindo no coletivo de advogados, não aconselhamos nossos clientes a pedir de desculpas direta ou publicamente a parte contrária quando, num ambiente normal, é o que qualquer um de nós provavelmente faria. Novamente citando o artigo antes referido é oportuno trazer à luz interessante reflexão feita por John Ayer segundo o qual “Uma das dificuldades centrais do nosso [norte-americano] sistema legal é sua capacidade de ser surdo ao conselho de comum bom senso.” – no Brasil, creio eu, não é diferente.

Do ponto de vista prático, o advogado nem sequer aventa tal possibilidade, pois parte da (legítima) premissa de que haveria grave risco de um “pedido de desculpa” ser considerado uma assunção de plena responsabilidade, reduzindo a pó qualquer discussão a respeito da sua extensão ou quanto à eventual culpa concorrente da vítima, além de outras questões próprias da responsabilidade civil por ato ilícito. Num processo judicial este risco é real e por consequência é mais que razoável aceitar que o advogado nem cogite tal aconselhamento. No entanto, se atentarmos às regras gerais da responsabilização por ato ilícito do nosso Código Civil, é possível concluir que tais normas não agravam ou atenuam o dever de indenizar com ou sem pedido prévio de desculpas. Enfim, é complicado lidar com tal idiossincrasia na esfera judicial. Por outro lado, na mediação, que é por excelência confidencial, tal possibilidade de “desculpar-se” é uma excelente oportunidade para transformar positivamente o estado de ânimo das partes numa mesa de negociação sem que tal pedido se torne público ou possa ser usado contra o seu orador.

No mínimo o pedido de desculpa pode ser um ato libertador para quem pede independentemente se for aceito ou não. Ele permite ao infrator olhar para frente e não para baixo ou para trás; e se bem recebido pela vítima, as possibilidades de solução do conflito podem aumentar significativamente.

Nos EUA existem inúmeras pesquisas que demonstram, por exemplo, que políticas de transparência e práticas de desculpas em hospitais reduzem o surgimento de processos, diminuem o tempo de solução de reclamações por erros profissionais e mesmo o valor das indenizações. Segundo os defensores dessa política é por vezes mais provável que a vítima desculpe o erro, mas não a tentativa de encobri-lo ou de mitigar a responsabilidade pela sua ocorrência. Uma forma de minimizar e mesmo estimular tal prática amistosa poderia ser impedir por lei que atos dessa natureza sejam usados como provas contra quem teve uma atitude benevolente em favor da vítima.

Peter Robinson traz em seu livro (“Apology, Forgiveness, and Reconciliation”) o exemplo de dispositivo do Código Processual da Califórnia/EUA que inadmite a utilização como prova de declarações ou gestos que expressem “simpatia ou senso geral de benevolência relativo a dores e sofrimento ou morte de pessoas envolvidas em acidentes.” (tradução livre). Como visto, nada refere a pedido objetivo de perdão, mas a atos de empatia e solidariedade, o que já é um bom e desruptivo ponto de partida.

Outra referência interessante é a atitude da Apple que, em 2013, como noticiado pelo New York Times, optou por um movimento surpreendente de fazer um pedido público de desculpa por conta da limitação do prazo de garantia do IPhone no mercado chinês por contrariar sua política no resto do mundo. Seja por uma questão econômica ou mesmo cultural, ou estratégica, em um dado momento foi necessário que a Apple se desculpasse para gerar um ambiente mais favorável para seguir operando na China.

Portanto, seja qual for o pano de fundo do conflito, trivial como um acidente de carro ou complexo como um embate internacional entre gigantes, o pedido de desculpa pode ser um excelente início para uma negociação exitosa. Como referido por Kate Shonk, que foi minha inspiração para escrever este artigo, “Cuidadosamente entregue o pedido de desculpa pode restaurar dignidade e confiança de um modo que uma pura compensação financeira não pode.” (trecho traduzido do artigo retirado do site: https://www.pon.harvard.edu/daily/dispute-resolution/dispute-resolution-in-china-apple-apologizes-for-warranty-policies/).

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