Os Desafios para advogados e jurídico interno das empresas
Autor: Ricardo Dornelles Chaves BarcellosMestrado – LLM em Resolução de Disputas, Pepperdine University, EUA
Resumo: A mediação como forma de resolução de conflitos empresariais no Brasil ainda se encontra em estágio de amadurecimento que vem se intensificando substancialmente nos últimos cinco anos, ou seja, após os adventos do novo CPC e da Lei de Mediação, ambos os estatutos promulgados em 2015. Há muito por ser feito para que tal instituto passe a ser visto e utilizado com mais dinamismo e foco pelos advogados das empesas, internos e externos. Os exemplos de outros países como os Estados Unidos e Itália podem ser uma ótima inspiração. No primeiro caso, houve uma revolução através do modelo “multiportas” onde a mediação não é uma exceção, mas a regra. No segundo, os resultados alcançados nos últimos anos são bem expressivos. Assim como acontecia naqueles países, no Brasil persiste o alto índice de insatisfação da sociedade com os serviços da justiça conforme indicam as últimas pesquisas do CNJ por força do longo tempo de duração dos processos e seus custos financeiros e emocionais. Logo, há um enorme espaço para o aproveitamento e o crescimento dos chamados “métodos não adversariais” ou “alternativos” em nosso país junto à comunidade jurídica, sobretudo junto aos advogados de contencioso empresarial e os ditos “in-house”. O que nos falta para essa prática levantar voo? Quais os medos ou inquietações? Qual o papel do advogado neste cenário autocompositivo? Quais as habilidades que o advogado pode ou deve desenvolver para ter êxito numa mediação? Para ajudar a trilhar esse caminho de capacitação são apresentadas neste artigo alguns possíveis direcionamentos.
Contextos da Mediação no Brasil e Internacional
Diferente da experiência norteamericana no tocante à plena utilização da mediação no ambiente corporativo, que vem crescendo consistentemente há quatro décadas, esse método específico de resolução de disputas só recebeu mais atenção da comunidade jurídica brasileira mais recentemente, porém ainda é bastante incipiente junto à advocacia empresarial. Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”), através da Resolução 125, impulsionou as práticas de conciliação e mediação como uma ferramenta de gestão pública para reduzir o grande número de casos em tramitação perante os tribunais brasileiros. No entanto, somente em 2015 foi efetivamente aprovado o marco regulatório da mediação realizada no âmbito judicial e fora dos tribunais. Me refiro, evidentemente, ao chamado “novo” Código de Processo Civil (Lei 13.105) e a Lei 13.140 que trata também da mediação extrajudicial.
O NCPC, em apertada síntese, reafirmou o emprego de técnicas não adversariais (conciliação e mediação) como forma de buscar a resolução de conflitos em respeito ao princípio constitucional da efetividade na prestação jurisdicional. Assim, desde março de 2016, quando entrou em vigor o novo código, tornou-se obrigatória tal tentativa de acordo na fase inicial do processo, antes do oferecimento da contestação, salvo se as partes abrirem mão de tal alternativa. Em suma, se ambos os litigantes declararem que não desejam buscar uma composição com a intervenção de um terceiro, o processo terá seguimento sem nenhuma sessão de conciliação ou mediação conduzida sob o patrocínio do Poder Judiciário. Paralelamente, a Lei de Mediação, que entrou em vigor antes do novo CPC, em dezembro de 2015, passou a tratar de forma conceitual e principiológica a mediação extrajudicial sem regular de maneira exacerbada tal prática. Aliás, é bastante elogiável tal atitude do legislador já que seria um contrassenso criar uma série de regras para regular um procedimento calcado na informalidade e espontaneidade de seu emprego.
Em vista desse novo cenário institucional, ainda em processo de amadurecimento, a mediação – tema central deste artigo, tem total condição de criar corpo e asas para voar muito alto no tocante à resolução de conflitos no Brasil, em especial, fora do judiciário e no tocante a disputas de cunho comercial como já acontece há algumas décadas em outros países como Estados Unidos e, mais recentemente, na Itália. A bem da verdade, tal prática já tem boas taxas de êxito em nosso país no tocante à resolução de conflitos familiares e trabalhistas, porém tal dinâmica não se replicou com a mesma potência na esfera empresarial.
Os advogados de contencioso empresarial e os “in-house” das empresas brasileiras, na sua grande maioria, ainda não enxergam na mediação uma oportunidade de oferecer uma solução mais eficiente e customizada em favor de seus clientes externos ou internos. E por que isso acontece? Algumas respostas podem ser aventadas como o medo do desconhecido, a falta de experiência com práticas de negociação assistida, ou mesmo a percepção (equivocada) de que seus honorários podem ser drasticamente reduzidos. Interessante perceber que nos Estados Unidos do final da década de 70, também essas eram algumas das preocupações que assolavam os advogados norteamericanos, sobretudo o receio de perder as rédeas, o controle do caso ou mesmo a confiança do cliente ao delegar a um terceiro a condução da negociação de um acordo.
Segundo Stipanowich[3], uma nova visão da resolução de controvérsias surgiu em 1976 quando o chefe de justiça Warren Burger e o professor de Harvard, Frank Sander, fizeram palestras notáveis na Pound Conference sobre as causas da insatisfação popular com a administração da justiça nos EUA e como criar métodos de mais eficientes e personalizados. Em resumo, foi cunhado o termo “’tribunal multiportas”, no qual as disputas seriam direcionadas para diferentes mecanismos de resolução de conflitos; desde a própria jurisdição estatal, passando pela arbitragem, mediação, negociação e outros meios com base em critérios racionais, como a natureza do litígio, o relacionamento entre as partes, o valor em disputa e as preocupações com a velocidade e o custo da solução do caso.
A “Quite Revolution”, como cunhado por Stipanowich, gerou mudanças consistentes no cerne da comunidade jurídica norteamericana quanto à forma de lidar com a resolução de conflitos fora dos tribunais. Essa nova e revolucionária mentalidade dos chamados “Alternatives Dispute Resolution – ADR” tomou conta da rotina dos juízes, associações profissionais, grandes bancas de advocacia, advogados, corporações e organizações sem fins lucrativos.
Além dessa revolução no meio jurídico, as mais prestigiosas universidades norte-americanas adotaram em seus programas regulares várias disciplinas dentro do amplo guardachuva das ADR.
Em apertada síntese, essa mudança de atitude das lideranças da comunidade jurídica norteamericana se deu por força da frustração da sociedade daquele país com os custos das cortes e das despesas com preparação de “trials” (instrução dos processos), atrasos nos julgamentos e falta de expertise dos juízes no negócio subjacente ao conflito. Também a possibilidade de controlar gastos e desenhar procedimentos de resolução customizados e confidenciais impulsionou as empresas e advogados a utilizarem a arbitragem, a mediação e outras iniciativas mais inovadoras de ADR para solucionar disputas fora das cortes.
Por outro lado, os diretores e gerentes jurídicos das empresas perceberam a vantagem de adotar práticas consensuais – sobretudo a mediação, como uma forma de controlar melhor seus custos com a área de contencioso e preservar o relacionamento comercial com a outra parte que geralmente é aniquilado ao longo de um litígio de ganha e perde. É importante lembrar que a contraparte pode ser um membro da família que participa dos negócios do seu cliente ou pode ser um fornecedor estratégico e, portanto, o reestabelecimento de um relacionamento saudável entre as partes pode gerar um ganho adicional ou eventualmente até mais valioso que o próprio resultado econômico emergente de uma decisão arbitral ou judicial.
Em resumo, as práticas de ADR nos EUA são vistas como uma forma de “lidar com os conflitos mais importantes de suas vidas de maneira produtiva, inteligente, eficaz e ética”. Ademais, essa abordagem pode ir além do interesse material e adentrar no âmbito das emoções. Estou falando de um verdadeiro processo de cura da relação entre as partes quando este for um fator importante para as mesmas; ou, ao menos, um alívio para uma delas ao deixar para trás um litígio que vinha lhe assombrando há anos como o exemplo do megaempresário Abílio Diniz reportado em um dos best-sellers de William Ury, que negociou o acordo com o Grupo Casino – um litígio de muitos anos e recursos consumidos. Essa abordagem mais ontológica dificilmente é tratada em um procedimento meramente adversarial. Muitas vezes não há espaço para que isso ocorra dada a animosidade criada pela dinâmica do litígio. Tampouco é desejado pelas partes abrir esse tipo de discussão, o que deve ser igualmente respeitado pelos advogados e pelo mediador. Porém, tal fator não deve ser desdenhado pelos operadores do direito já que por trás de um CNPJ há pessoas, sentimentos e outros valores intangíveis como demonstra a lição aprendida por Diniz.
Em síntese, as participações ativas das partes e seus advogados numa mediação são cruciais para fechar um acordo assistido pelo mediador. Como mencionado pelo juiz norteamericano Wayne D. Brazil, “os litigantes é que celebram instrumentos de acordo, não juízes ou mediadores.”.
O Segredo do Sucesso
A mediação é um procedimento flexível que deve ser planejado pelo mediador com base na natureza da disputa e a partir de dinâmica que surge na etapa de preparação e/ou durante as rodadas de discussões, usando sessões coletivas ou individuais chamadas de “caucus”. Essa relação entre o mediador, as partes e os advogados pode ser vista como um trabalho em equipe “[que pode] melhorar as chances de que advogado e mediador sejam capazes de lidar efetivamente com aparente impasse” e maximizar as chances de composição de interesses aparentemente irreconciliáveis. Portanto, os advogados devem estar preparados para serem protagonistas desta orquestração, ao invés de meros e passivos espectadores. Nesse sentido, os causídicos podem buscar educação e treinamento específicos para aprender sobre as melhores práticas de negociação e sobre como agir de maneira adequada e bem-sucedida em uma sessão de mediação. “O advogado desempenha um papel crítico a esse respeito [estar envolvido em todas as etapas do procedimento], não apenas na preparação de um cliente para mediação, mas também na definição do papel certo do seu cliente .”
De acordo com as diretrizes do CPR – um dos mais prestigiosos centros de ADR dos EUA, a probabilidade de estabelecer um acordo é maior quando uma parte desenvolve “uma boa estimativa do seu caso” e dos argumentos de seu oponente. Em síntese, a preparação do mediador, das partes e dos advogados é um dos maiores segredos do sucesso de uma negociação levada a bom termo.
Finalmente, enfatizo que a mediação e suas diferentes abordagens também são utilizadas naquele país de forma preventiva e prospectiva como por exemplo para evitar o rompimento de uma rodada de negociações já em estado avançado como forma de resolver impasses em operações sofisticadas de M&A e joint ventures. Também pode ser usada para facilitar o processo de integração entre diferentes equipes do ponto de vista cultural ou mercadológico no chamado “pós-closing”. Além disso, o mediador, como enfatizado pelo diretor jurídico de uma grande empresa norteamericana, pode ser “particularmente útil para educar os executivos seniores sobre as fraquezas do caso”.
Por fim, na mesma entrevista, “os participantes do painel relataram estar agradavelmente surpreendidos com ofertas não econômicas que ajudaram a resolver uma disputa e selar o acordo.”. Assim, da mesma forma que as habilidades esperadas de um bom negociador do ponto de vista estritamente econômico (hard skills), os advogados internos das empresas entrevistadas também enxergam como valor agregado a capacidade do mediador de lidar com questões emocionais e culturais (soft skills) na busca de um acordo.
Com efeito, o próximo tópico deste trabalho explorará as habilidades dos advogados externos e dos “in-house” para contribuir positivamente no procedimento de mediação. Isso é particularmente considerado no cenário norteamericano já que a mediação é “uma estratégia de intervenção primária no gerenciamento de conflitos” para inúmeros diretores jurídicos de empresas listadas na Fortune 1000 e que responderam às pesquisas organizadas pelas Universidades de Cornell e Pepperdine nos anos de 1997 e 2011.
Adicionalmente, vale referir o exemplo de empresas como WholeFoods – uma megarede de supermercados espalhada por todo os Estados Unidos, que criou uma “Declaração de Interdependência” com seus stakeholders (acionistas, empregados, clientes, fornecedores, meio-ambiente e comunidade) que contempla como um dos seus princípios a seguinte diretiva: “Qualquer conflito deve ser mediado e soluções ganha-ganha encontradas.”
Próximos Passos no Brasil
Como mencionei no início deste artigo, a mediação está começando a ganhar envergadura no Brasil de forma mais consistente nos últimos quatros anos dado o advento do seu marco legal e considerando a maior qualificação dos profissionais e centros privados de mediação. No setor público houve a estruturação dos centros de mediação e conciliação junto ao Poder Judiciário, criados inicialmente para reduzir o contingente de processos ativos, cujos resultados ainda são bastante tímidos. Surpreendentemente, o número de mediações privadas divulgadas pelas câmaras mais importantes do Brasil também é muito baixo (menos de 50 casos em 2017).
Com efeito, este cenário deve ser visto de forma positiva no sentido que há um enorme espaço para o crescimento do uso das modalidades não adversariais na esteira do que vem acontecendo em países com os Estados Unidos e Itália já que a “gene da negociação” está no DNA dos empresários e de muitos advogados também.
Considerando a experiência norteamericana aqui superficialmente delineada e também a política pública brasileira favorável aos MASC (“Métodos Adequados de Resolução de Conflitos”), além da possibilidade de customizar o processo de solução da disputa, eu tenho a convicção de que a mediação e outras técnicas consensuais estão plantadas em solo fértil em nosso país. Há que florescer soluções inteligentes para resolver conflitos na área empresarial, como já acontece questões de direito de família e sucessões. Evidentemente, existem vários desafios a serem superados para colhermos, como sociedade, resultados mais expressivos.
Permito-me lançar algumas inciativas que poderiam acelerar esse processo de transição de um modelo predominantemente adversarial, para um ambiente de autocomposição.
As câmaras privadas de arbitragem deveriam fortalecer a prática de mediação entre seus clientes; os mediadores deveriam seguir buscando mais e melhores qualificações e expertise dentro de uma determinada área do direito ou tipo de negócio subjacente ao litígio; os advogados poderiam aprimorar suas técnicas de negociação e de como atuar numa mediação de forma colaborativa; as empresas poderiam organizar programas internos de ADR para resolver conflitos intramuros ou exógenos.
Há também necessidade de intensificar e aprimorar os programas de ADR nas faculdades de direito.
Enfim, estes são alguns dos desafios que temos pela frente no Brasil cujo enfrentamento já esboça excelentes resultados como bem demonstram a expansão da prática sobretudo das chamadas ODR (“On Line Dispute Resolution”). Destacam-se o aparecimento de novas câmaras, a realização de congressos e webinars, bem como o crescimento de competições universitárias de mediação e negociação.
A nossa “Revolução Silenciosa” já fincou bandeira no solo pátrio, agora nós, operadores dos MASC, temos que manter a chama acesa e fazer crescer o fogo!
Essa revolução pode acontecer de uma forma mais ou menos rápida, o que vai depender de vários fatores como sucintamente mencionado acima. No entanto, da mesma forma que a prática de ADR nos EUA vem crescendo nos últimos quarenta anos, existe um enorme espaço no Brasil para alavancar exponencialmente os MASCs e em especial a mediação. A insatisfação com os serviços da justiça continua muito forte entre os brasileiros conforme a pesquisa do CNJ acima citada por força do longo tempo de duração dos processos e custos financeiros e emocionais experimentados pelo litigante até receber o que lhe é devido (lato sensu). Além disso, há cada vez mais profissionais interessados em trabalhar como mediadores dentro e fora dos tribunais e que estão buscando se qualificar através de cursos patrocinados por organizações públicas e privadas. No entanto, para alcançar um padrão de excelência desejado por todos os aficionados pela prática, o Brasil precisará não apenas de ótimos mediadores, mas também de advogados bem treinados para agir de maneira colaborativa nos procedimentos de mediação.
Um Possível Roteiro para os Advogados
Dependendo do escopo da mediação – facilitativa ou avaliativa, os advogados podem usar diferentes abordagens para chegar a um acordo. De qualquer forma, o mediador estará no centro do processo, mas os advogados e os consultores internos das empresas poderão tirar proveito de suas experiências e know-how como os melhores conhecedores do seu negócio ou das verdadeiras causas do litígio. A primeira pergunta que o advogado deve ponderar consigo mesmo é se ele deve recomendar ao seu cliente uma mediação para resolver aquela disputa ou não? Em segundo, definir parâmetros de negociação baseados na possibilidade de êxito ou perda da ação. Depois, pode interagir com o setor técnico da empresa para verificar o interesse desta em restabelecer o relacionamento comercial rompido; enfim, buscar o intangível por trás do litígio, se for o caso. Já o advogado interno pode averiguar se a empresa deve adotar ou não cláusula de mediação em seus contratos; se isso se aplica em todos os contratos ou em determinadas operações de maior risco; pode também já ter previamente listadas algumas opções de mediadores para posterior seleção de acordo com o perfil e expertise desejados para a solução da disputa.
Conforme a entrevista acima referida, coordenada pelo CPR, os diretores jurídicos das empresas citadas consideram que se o contrato padrão adotado pela empresa já prevê a mediação como alternativa, quando o conflito surgir, nenhuma das partes se sentiria fraca ou desconfortável ao tentar resolvê-lo amigavelmente antes de partir para o litígio. Para resumir, há várias questões que podem ser abordadas e organizadas previamente pelos advogados externos e internos antes mesmo de as disputas aparecerem.
Como preparação da mediação, os advogados devem fazer previamente a lição de casa de forma bem planejada, buscando conhecer e entender claramente os interesses econômicos e mesmo emocionais de seu cliente e, se possível, da outra parte. Evidentemente, nem seria necessário dizer, mas não custa reiterar, que o advogado deverá conhecer com profundidade as fortalezas e fraquezas da sua tese do ponto de vista do direito material e de produção de provas. A estimativa de perda, conforme definida pela cartilha dos contadores (remota, possível ou provável) deve ser esmiuçada e ratificada junto ao cliente para não se tornar um ponto cego e perigoso durante a abordagem do caso junto ao mediador.
Uma boa ferramenta para auxiliar na definição da melhor estratégia a ser adotada numa negociação assistida é a técnica conhecida como “árvore de decisão” ou “decision tree”. Tudo parte de um tronco único (o conflito) que se ramifica em distintas possibilidades ou cenários.
Bem resumidamente, a árvore de decisão é um caminho racional de avaliação de riscos e probabilidades que se bifurcam em muitas ou incontáveis variantes que podem ser postas a luz e mesuradas objetivamente por advogados, mediadores e negociadores para chegar a uma conclusão sobre qual valor seria razoavelmente aceitável para encerrar uma disputa. Conforme os autores Folberg e Gollan seriam necessárias algumas ações preparatórias a fim de desenhar esses possíveis cenários para, em seguida, estabelecer as bases de um possível acordo. São elas:
- Adotar percentuais de chance de êxito e não palavras como baixa, média ou alta;
- Separar não mais que 4 pontos críticos, positivos ou negativos, para ganho ou perda do caso;
- Aprender a desenhar uma árvore de decisão simples e de forma lógica (exemplo anexo);
- Atribuir probabilidades de êxito com base nas fortalezas e fraquezas do caso, de 0% a 100% para cada tópico/bifurcação/galho;
- Atribuir valor inicial de ganho ou de perda e parta desse valor para construir sua árvore.
- Usar a matemática para resolver (“finalizar”) sua árvore;
- Alocar os custos do processo se for judicial.
Depois disso, o advogado pode elaborar um plano de negociação, levando em consideração não apenas a probabilidade de ganho da ação, mas também possíveis pontos de resistência da outra parte e alternativas para superar essas barreiras em uma rodada de negociação.
Por fim, o advogado terá que selecionar o mediador que melhor combina com a natureza do caso. Um advogado experiente, um psicólogo ou um juiz aposentado são algumas das opções possíveis. Alguém com formação jurídica pode ser um fator crítico para o sucesso da mediação ou não. Talvez, um médico ou um engenheiro sejam as melhores opções por envolver questões técnicas essenciais para desatar os nós do litígio, desde que tenham formação como mediadores.
Neste aspecto, o legislador pátrio optou por não exigir com maior rigor que o mediador tenha formação específica ou tenha sua atuação como profissional da área habilitada em algum órgão de classe. Parece-me algo positivo para evitar a burocratização de uma profissão de múltiplas origens e áreas do conhecimento. Por outro lado, é fundamental para o desempenho desse papel que o mediador tenha buscado uma formação consistente e junto a alguma escola de reconhecido mérito, local ou internacional. Caso contrário, certamente haverá frustração seja no desenvolvimento da carreira, seja na consecução do seu desiderato principal, qual seja, a resolução dos conflitos.
Uma vez que o mediador esteja escolhido pelas as partes, os advogados podem agendar uma entrevista com o mesmo para compartilhar suas preocupações sobre o caso e as expectativas dos seus clientes. Posteriormente, os advogados podem refinar a estratégia que será adotada durante as sessões, levando em consideração também o perfil do outro litigante e de seu advogado. Na verdade, a animosidade entre as partes pode aumentar ou pode ser sensivelmente mitigada de acordo com a abordagem usada pelos advogados e da capacidade do mediador de apaziguar os ânimos eventualmente exacerbados. Se o advogado começar a apresentar suas alegações da mesma forma como o faz em uma sustentação oral no tribunal, as chances de aflorar uma negociação produtiva poderão ser profundamente comprometidas. Outro conselho que pode também ser muito útil é a preparação de um esboço de acordo com alguns termos padrões. Essa iniciativa pode economizar tempo durante a etapa final da mediação, quando os termos gerais são pactuados verbalmente e devem ser redigidos por escrito pelas partes.
É igualmente relevante discutir previamente com o cliente quem participará da sessão de mediação; se o chamado “decision maker” estará presente ou não; se o advogado precisará obter uma autorização prévia para fechar o acordo; se ele deve levar alguém com formação financeira ou um gerente de RH que consiga lidar melhor com componentes emocionais que podem estar por trás da disputa comercial. Adicionalmente, tanto o advogado quanto o cliente devem ter uma escuta ativa durante a mediação, o que significa que devem ser pessoas com capacidade de ouvir e enxergar os verdadeiros interesses subjacentes às posições defendidas pelas partes e, se possível, separar o problema em si da pessoa sentada do outro lado da mesa.
Por fim, é igualmente importante salientar que é através da cooperação entre as partes e seus respectivos advogados num ambiente de negociação e colaboração, que perpassa por um melhor entendimento das fragilidades e fortalezas das posições, que as soluções mais inteligentes podem aparecer. Como nos ensina Nowak de forma bem objetiva foi a necessidade dos seres humanos de cooperar que permitiu nossa evolução e nos tornou distintos dos nossos ancestrais mais primitivos.
“Cooperação – não competição, sustenta a inovação. Para estimular a criatividade e encorajar as pessoas a terem ideias originais, você precisa usar a isca da cenoura, não o medo da vara. A cooperação é o arquiteto da criatividade ao longo da evolução, das células às criaturas multicelulares, aos formigueiros, às aldeias e às cidades. Sem cooperação não pode haver nem construção nem complexidade na evolução.” (tradução livre)
Neste viés evolutivo, me parece que a mediação não é uma opção que bate à porta dos escritórios de advocacia, mas uma real necessidade destes profissionais se adaptarem a velocidade que, hoje, as relações comerciais se estabelecem, transformam e acabam. Com todo o respeito, não é mais possível achar natural e suportável que o cliente espere 4, 5 ou mais anos para resolver um conflito que pode colocar em risco seu negócio ou significar apenas uma “vitória de pirro” quando do trânsito em julgado da decisão que coloca fim ao litígio.
Ademais, a mediação pode ser uma excelente resposta a esse mundo VUCA que estamos vivendo atualmente, empregando mais assertividade na resolução de conflitos. Como disse Darwin “Não são as espécies mais fortes que sobrevivem, nem as mais inteligentes, e sim as mais suscetíveis a mudanças.” Julgo, com a devida vênia de quem pensa em contrário, que tal mudança de mindset pode fazer a diferença nos próximos anos para qualificar e impulsionar positivamente a prática de contencioso empresarial no Brasil. Ou seja, quem sobreviverá e se fortalecerá serão os advogados que souberem mesclar a sua atividade entre práticas adversariais inevitáveis e necessárias, com estratégias e métodos autocompositivos como um verdadeiro sommelier de soluções em favor de seus clientes.
Finalizo esse tópico citando o conselho dado pelo Ministro Luis Roberto Barroso do STF a nós, advogados, segundo o qual:
“O advogado do futuro não é aquele que propõe uma boa demanda. Mas, aquele que a evita. As medidas extrajudiciais de resolução de conflitos estão se tornando uma realidade a cada dia e vão impactar nas funções do advogado, que passará de defensor a negociador”
Habilidades Interpessoais
Tanto os neutros quanto os advogados podem trabalhar juntos para criar uma atmosfera apropriada para a construção de um acordo. “Para fazer isso, você não precisa se tornar um pseudoterapeuta ou assumir outro papel inadequado”. No entanto, além da escuta ativa que mencionei acima, a habilidade do negociador de estabelecer empatia com a história da outra parte pode ser um diferencial.
Nesse sentido, os patronos podem ajudar os clientes a distinguir ressentimentos do passado em contraste com a situação vivida no presente e projetar resultados futuros mais luminosos; podem estar abertos e preparados para compartilhar informações com a outra parte e assim recuperar a confiança perdida a fim de abrir um canal mais adequado e fluído de negociação. Acima de tudo, dada a confidencialidade da mediação e do papel de neutralidade do mediador que não irá julgar o caso, as partes e seus mandatários poderão agir de forma mais transparente, sentindo-se numa zona mais segura para bem endereçar um possível acordo.
Portanto, os advogados não precisam perder tempo obtendo a simpatia do mediador por seus argumentos. Eles podem se concentrar em obter a atenção e empatia da outra parte. Por vezes, o fato de o CEO da empresa participar da sessão possibilita tornar a contraparte mais receptiva por se sentir mais respeitada do que na hipótese da empresa se fazer representada por um preposto despreparado e sem poder de decisão. Para resumir, iniciativas menos combativas dos patronos podem facilitar o resultado da mediação, assim como o salutar tratamento das questões emocionais. Estas últimas se não observadas podem escalar a disputa a níveis insuportáveis e impedir que os negociadores façam acordos mais vantajosos.
O momento em que a mediação deve ser buscada também é um fator crítico – as chamadas “janelas de oportunidades”. Depois que o caso já estiver judicializado pode ser tarde demais, pois as partes já eventualmente trocaram acusações pesadas durante o litígio, fechando a possibilidade de diálogo ao invés de abri-la. Por outro lado, após a produção de provas e antes da sentença, pode surgir um hiato interessante para sentar em frente a um mediador e buscar uma composição.
Conclusão
O papel dos advogados é muito relevante para obter sucesso em um procedimento de mediação seja nos EUA, na Itália, no Brasil ou em qualquer outro lugar. Esse trabalho exige preparação antes do início da mediação, que pode abranger não apenas questões econômicas, mas também embates emocionais que, se não enfrentados, podem comprometer o acordo. Da mesma forma que uma preparação para uma negociação mais sofisticada, pode ser muito útil preparar um plano de ação que cubra, além dos objetivos do cliente, possíveis reações e barreiras da outra parte. A seleção do mediador dependerá da natureza do caso e do perfil das partes que podem exigir uma abordagem mais ou menos técnica, jurídica ou de outra área do conhecimento humano. Poderá ser interessante buscar um mediador com expertise na área de direito de família ou comercial, de engenheira ou psicologia dependendo dos antecedentes e necessidades do caso e das partes.
Já os advogados “in-house” têm um papel crucial eis que podem padronizar as práticas internas de ADR como incluir cláusulas de mediação e arbitragem em seus modelos de contrato; podem também utilizar técnicas de mediação em suas negociações internas para solucionar conflitos intramuros de diferentes naturezas.
Enfim, a revolução brasileira na gestão de conflitos empresariais já começou e seu sucesso nos anos vindouros dependerá profundamente do interesse e da preparação adequada dos advogados internos e externos das empresas e, mais ainda, dos mediadores que pretendam atuar com sucesso na área corporativa.
Finalizo com uma frase de Einstein: Nós não podemos resolver problemas utilizando o mesmo tipo de pensamento que utilizamos para cria-los.
* * *
EXEMPLO DO DESENHO DE UMA ÁRVORE DE DECISÃO
D’URSO Leonardo e CANESSA Romina, The Italian Mediation Law on Civil and Commercial Disputes, Março 2017,
https://www.dropbox.com/s/c0wwps4dybtjctq/Screenshot%202020-04- 17%2010.07.36.png?dl=0
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/e1d2138e482686bc5b66d18f0b0f4b16.pdf
Stipanowich, Thomas J., Living the Dream of ADR: Reflections of Four Decades of the Quiet Revolution in Dispute Resolution (Symposium Keynote), Pepperdine University, School of Law. 2016
Resoluções Alternativas de Disputas
Mini-trial, Neutral expert fact-finding, dispute board e dispute design resolution – julgamentos simulados e vinculantes, parecer de um perito; comitê de decisão e desenho de sistema de resolução conflitos
Mayer, Bernard The Future of Mediation: Be Less Certain and More flexible, Mediate.com, http://mediate.com/articles/MayerFutures.cfm
Ury, Willian, Getting to Yes with Yourself, How to Get What You Trully Want, p. 17, “O que você mais deseja agora mesmo em sua vida? Ele parou por um momento, olhou para longe, então olhou de volta para mim e disse suspirando: ‘Liberdade. Eu quero minha liberdade’. ‘E o que a liberdade lhe dá?’ Eu perguntei. ‘Tempo com a minha família o que é a coisa mais importante na minha vida’ ele respondeu. ‘E liberdade para perseguir o negócio dos meus sonhos.’” (tradução livre).
BRAZIL, Wayne D., Mediation is a team sport: maximizing the odds of settlement, San Francisco Daily Journal, 2012.
Nota 6
GISE, Robin, Maximizing your Client’s Effectiveness in Mediation, New York Law Journal, 2016.
CPR Mediation Best Practices Guide for In-House Counsel, www.cpradr.org
Leading General Counsel Mull Over Mediation. Top Legal Officers from Visa, Assurant, Estee Lauder and Fluor Corp. Discuss ADR Corporate Counsel May 26, 2017, www.cpradr.org
Id.11“Schwartz (Assurant) seconded this, explaining that some senior executives can be such true believers, and feel so strongly about their cases–understandably–that they cannot see how they could possibly lose or where they might have weaknesses. “In such a situation,” he explained, “human dynamics come into play. You are and want to be your client’s gladiator. If you spend too much time emphasizing the weaknesses in your client’s case, that can be a problem. Here is where a good mediator can be particularly helpful.”
Id.11
Stipanowich, Thomas J., Living with ADR: Evolving Perceptions and Use of mediation Arbitration, and Conflict Management in Fortune 1000 Corporations, Harvard Negotiation Law Review, at 16-19, 2014.
SISODIA, Raj, WOLFE, David e SHETH, Jag, Firms of Endearment, Pearson Education, 2014, p. 107.
Em torno de 10% dos casos tramitados em 2019 na justiça estadual foram resolvidos por acordo – 2019 Sumário Executivo CNJ Justiça em Números
GABBAY, Daniela Monteiro, Mediação empresarial em números: onde estamos e para onde vamos, https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/mediacao-empresarial-em-numeros-onde-estamos-e-para-onde-vamos-20042018
Cabe aqui uma ressalva, pois no Brasil não existem pesquisas mais aprofundadas sobre as mediações extrajudiciais, realizadas por mediadores “ad hoc” – não vinculados a uma câmara específica, o que impossibilita divulgar números mais acurados quanto à utilização de tal mecanismo.
E, como já alertava Rui Barbosa, “Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada.”
“A lawyer who won’t prepare is the wrong lawyer. Good mediation lawyer also should be good risk evaluators and not adverse to making reasonable risk assumptions.” – Golann, Dwight and FOLBERG, Jay, Mediation The Roles of Advocate and Neutral,Wolters Kluver, 2011, p. 236.
Golann, Dwight and FOLBERG, Jay, Lawyer Negotiation, Theory, Practice, and Law, Walters Kluwer, 2011, p. 133.
Lei 13.140/2015, Art. 9º Poderá funcionar como mediador extrajudicial qualquer pessoa capaz que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, ou nele inscrever-se.
NowaK, Martin A., Super Cooperators, Altruism, Evolution, and Why We Need Each Other to Succeed, Ed Free Press, 2012, p. XIX.
“O exército americano já usava a sigla VUCA para descrever a volatilidade (volatility), a incerteza (uncertainty), a complexidade (complexity) e a ambiguidade (ambiguity) nas diversas situações e contextos de guerra. O uso militar dessa sigla começou no final dos anos 90 para tratar das ferramentas e métodos necessários para fazer frente a um ambiente extremamente agressivo e desafiador. (…) O uso no mundo dos negócios é mais recente, começou a ser usado a partir de 2010, mas não difere do pensamento militar, afinal, o ambiente empresarial na atualidade também é agressivo, desafiador, competitivo e veloz, ou seja, esse também é o novo ‘normal’das organizações de qualquer natureza.”, https://administradores.com.br/artigos/o-que-e-o-mundo-vuca.
http://www.fecema.org.br/arquivos/2935.
Nota 22, p. 177