Suprema corte do Facebook

Se o Facebook (“FB”) fosse um país e seus usuários sua população, esta corresponderia a 2,7 bilhões de pessoas, o que equivaleria a quase o dobro da população da China que conta com aproximadamente 1,4 bilhão. Diante dessa quantidade abissal de usuários acessando o FB diariamente, e tendo em conta as milhares de polêmicas que surgem a partir do seu uso mais ou menos responsável e ético, é compreensível e até recomendável que seus gestores tenham criado uma espécie de “Tribunal de Apelação” para lidar com questões sensíveis como aquelas que tratam da liberdade de expressão – garantia constitucional presente na maioria dos países democráticos, incluindo o Brasil.

O “Tribunal” chamado de “Oversight Board” – que numa tradução livre seria algo como “Conselho de Controle” – foi criado por iniciativa do fundador do FB, Mark Zuckerberg, e funciona de forma independente e neutra desde outubro de 2020. É um comitê externo de revisão das decisões tomadas pela própria empresa para combater o uso abusivo das suas contas. Segundo o site do Board (https://oversightboard.com), o mesmo “foi criado para ajudar o Facebook a responder a algumas das questões mais difíceis em torno da liberdade de expressão online: o que remover, o que deixar de lado e por quê”. O Conselho “usa seu julgamento independente para apoiar o direito das pessoas à liberdade de expressão e garantir que esses direitos sejam devidamente respeitados.” – (tradução livre).

Esse órgão adquiriu maior notoriedade esta semana por conta da sua decisão de referendar a posição da empresa de suspender o acesso do ex-Presidente Trump ao FB, porém o Conselho criticou que a suspensão foi por prazo indeterminado, recomendando que tal questão seja revisada em até seis meses. O “gancho” contra Trump se deveu às suas manifestações no início do ano contra a eleição de Biden que, segundo ele, ocorreu de forma “fraudulenta” e que os seus posts no início de janeiro teriam insuflado a invasão do Congresso Norte-Americano.

O objetivo deste artigo não é adentrar na complexa seara do respeito a liberdade de expressão, tema tão caro a todos que cultuam a democracia e a liberdade individual, muito menos abordar questões políticas ou ideológicas, mas apenas enaltecer a criação de um mecanismo próprio e autônomo de resolução de conflitos entre os usuários da rede e o próprio FB. Ou seja, um Conselho que pode revisar as decisões da empresa, ratificá-las ou não, fazer recomendações de forma transparente e de acesso ao público dado que qualquer um de nós pode verificar o seu teor no site acima referido.

Sem dúvida uma iniciativa muito salutar e que pode ser um exemplo inspirador de como lidar com conflitos na era das redes sociais e das opiniões extremadas.

O Conselho é formado por profissionais de diversos países e com destacada atuação e notório conhecimento no campo da proteção à liberdade de expressão e da garantia aos direitos humanos.

É bom que se diga, contudo, que a decisão do Conselho não é “binding” ou vinculante para o FB que pode, a seu livre arbítrio, adotá-la ou não. Daqui a seis meses saberemos, por exemplo, se a suspensão de Trump será limitada no tempo ou seguirá por prazo indeterminado.

Esperemos para ver como se dará essa interface entre o FB e seu Conselho nos próximos meses para verificar o quão efetivo será o controle e a proteção à plena liberdade de expressão versus o direito de censura numa rede privada e ao mesmo tempo pública de comunicação. O desafio, convenhamos, é enorme!

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