Estímulos ao uso de mediação em tempos de Covid 19

Com o advento da crise social e econômica que veio no rastro da pandemia da COVID 19 ressurgiu em vários cantos do mundo a discussão sobre as melhores formas ou políticas para estimular a adoção da mediação para resolver a multiplicidade de disputas emergentes desse cenário adverso. Passou-se novamente a se questionar sobre as vantagens ou não da mediação como uma etapa pré-processual e obrigatória à futura judicialização dos conflitos? Se tal política poderia imprimir novo comportamento aos litigantes e seus advogados, trazendo relevante economia para o Estado com a redução do contingente de processos e possibilitando a imediata resposta às demandas dos jurisdicionados sobretudo em época de crise? Ou seria mais coerente manter tal mecanismo de resolução consensual de conflitos como uma opção, jamais como uma imposição estatal? Haveria como criar algum tipo de incentivo econômico para o crescimento dessa prática? Seguem abaixo algumas considerações para ajudar você a construir sua própria resposta.

No Brasil, o Poder Judiciário, em suas diferentes instâncias, adotou recentemente várias medidas para otimizar a utilização dos serviços públicos de mediação. Aparentemente os órgãos de justiça consideram (acertadamente) que a mediação seria o meio mais adequado para a solução das inúmeras controvérsias advindas da pandemia com infinitas repercussões nos campos jurídico, social e econômico. O próprio STF editou recentemente a Resolução 697 com tal escopo – muito embora sem a necessária valorização do papeis dos mediadores e conciliadores formados em todo o país. Ora, como é sabido, tanto o CPC de 2015 quanto a Lei de Mediação (13.140/2015) não colocam a mediação como um requisito pré-processual e obrigatório para o acesso ao Judiciário como acontece, por exemplo, na Argentina e Itália. Entretanto, se uma das partes suscitar a submissão do caso à mediação ou conciliação, tal sessão obrigatoriamente ocorrerá. Em síntese, no Brasil foi adotado um modelo híbrido, ou seja, a etapa conciliatória é opcional desde que ambas as partes não tenham interesse na sua realização.

No cenário mundial, duas notícias chamam atenção. Na Itália foi recentemente aprovada uma lei tornando obrigatória a mediação para todas as disputas contratuais que tenham como origem ou causa as questões envolvendo os efeitos nefastos da pandemia naquele país. D’Urso defende que a mediação no modelo italiano não é obrigatória, mas sim exige o mero comparecimento das partes e seus advogados na primeira sessão na qual o mediador passará informações a respeito deste modelo de resolução consensual, sobre as vantagens dessa ferramenta e sua adequação ao caso para que então as partes tomem a decisão consciente de seguir com a mediação ou optar pelo litígio. Essa etapa inaugural serviria, no mínimo, para deixar os jurisdicionados cientes e bem informados das suas opções ainda que a(s) parte(s) escolha(am) seguir pela via heterocompositiva. Na realidade, a prática italiana vem sendo nesta linha não apenas em período de exceção, mas também em momentos de normalidade já que a mediação naquele país é compulsória em vários outros tipos de disputas com resultados positivamente expressivos. Também são citadas por d’Urso e seus colegas Schonewille e Gavrila as boas experiências havidas na Turquia e Grécia que poderiam ou deveriam ser replicadas em outros países. Os autores destacam, ainda, outros pontos como sendo fundamentais para o sucesso do modelo dito opt-out, como a necessidade imperiosa de serem disponibilizados profissionais qualificados para realizar as mediações bem como uma estrutura adequada à realização das sessões para que as mesmas surtem os efeitos desejados – solução rápida e customizada da disputa, construída pelas próprias partes e seus advogados com o auxílio do mediador, desonerando o Estado.

Já na Nova Zelândia a reação teve outro escopo, qual seja, econômico. O governo daquele país destinou 40 milhões de dólares (aproximadamente R$ 144 milhões) para subsidiar a realização de arbitragens e mediações com o propósito solucionar mais rapidamente disputas relativas a locações de imóveis, residenciais e comerciais.
No Brasil, como mencionado acima, houve várias inciativas de diferentes unidades jurisdicionais no sentido de criar programas de mediação on line como forma de atender o natural aumento de disputas oriundas das repercussões nefastas da COVID 19 em um cenário já assoberbado pelo acúmulo de processos e conflitos aguardando solução muito antes do advento da pandemia. Contudo, ainda é prematuro avaliar os resultados dessas ações que, obviamente, são muito bem-vindas no sentido de valorizar o instituto da mediação.

Adiantando-me às possíveis respostas dos questionamentos feitos no início deste artigo, eu concluo ponderando que, mais do que criar soluções emergenciais ou mesmo tornar a mediação obrigatória (opt-out), com o que eu particularmente não concordo, é necessário prover a sociedade brasileira de um ambiente mais estável e propício à resolução de conflitos por meio da mediação, com ou sem pandemia. Com efeito, tal atitude passa necessariamente por permitir que as partes busquem livremente mediadores capacitados para solucionar suas disputas; por uma campanha de conscientização dos advogados das vantagens deste modelo; pela inclusão nos currículos das universidades de programas e práticas não adversariais; pela maior utilização das câmaras privadas de mediação como forma, inclusive, de desonerar o Estado; e pela disponibilização de estruturas adequadas, sejam presenciais ou virtuais, para se lograr êxito na resolução dos conflitos dentro ou fora das nossas cortes. Caso contrário, continuaremos apenas “enxugando gelo”.

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