Visão negociada de futuro

A negociação não é propriamente uma ciência como a matemática ou a psicologia, mas navega por uma espiral de múltiplas áreas do conhecimento. Essas áreas, tais como, a própria psicologia, a antropologia, a economia, a neurociência, o direito, assim como outras tantas, vão moldando essa vertente do conhecimento e do comportamento humano que, empírica ou cientificamente, pode se traduzir em um mecanismo sofisticado de geração de satisfação ou eventualmente de frustração caso não bem conduzida a negociação. Enfim, uma prática que vem sendo a cada dia mais estudada por inúmeros profissionais e teóricos.

Figuras históricas como Churchill e Mandela não estudaram para se tornar hábeis “negociadores”, mas por óbvio as respectivas formações, o primeiro como militar e o segundo como advogado, e sobretudo como líderes políticos, acabaram forjando essa habilidade impar que cada um carregava consigo. Recorrentemente, instrutores e professores usam os exemplos desses dois gigantes da história para realçar as estratégias adotadas para colocar fim a segunda guerra mundial e ao apartheid, respectivamente. Exemplos são dados por Robert Mnookin em seu livro “Bargaining with the Devil – When to Negotiate, When to Fight” para ilustrar esse meu último comentário. No primeiro caso, a opção de Churchill em não abrir negociação com a Alemanha, que aquela altura estava muito próxima de vencer os aliados, pois não queria passar uma mensagem fraqueza ao inimigo, tampouco referendar as atrocidades perpetuadas pelo regime nazista – ou seja, a importância de perceber o melhor momento para negociar e se há coerência entre o resultado desejado e o preço a ser pago para tanto. Quanto à Mandela, Mnookin salienta a importância de calçar os sapatos do inimigo para buscar a solução possível, ainda que não a mais desejada. O autor busca com esses exemplos realçar traços do comportamento humano diante da incerteza de um conflito.

Quando devemos agir de forma racional ou intuitiva para solucionar um conflito? Em que momento devemos agir de maneira pragmática? Quando relativizar princípios e valores intangíveis para buscar um ganho maior? Lições aprendidas, absorvidas e traduzidas em modelos e métodos de negociação aplicáveis tanto na feira de domingo, quanto em operações comerciais sofisticadas ou litígios aparentemente irreconciliáveis. O ponto que quero aqui destacar, na realidade, tem a ver com a intuição que não deve ser desdenhada numa mesa de negociação, pois pode ser o divisor de águas, de turbulentas para mais tranquilas, de cegueira para um ambiente de luz e possibilidades. No exemplo de Churchill, entendo eu, não havia certeza quanto àquela ser a melhor decisão ou não, mas intuitivamente o primeiro ministro inglês sabia que não era o correto a ser feito, seja por uma questão pragmática ou principiológica. Já no caso de Mandela, os mais de 27 anos de aprisionamento lhe permitiram olhar para os seus carcereiros de forma mais humanizada, como pessoas de carne e osso. Mandela levou posteriormente esse aprendizado para suas negociações exitosas com o establishment sul-africano. Intuitivamente sabia que não deveria demonizar o inimigo, mas tratá-lo com respeito para o bem maior do país.

A intuição seja numa negociação, seja numa sessão de mediação, é como aquela luz que ilumina uma obra de arte, como um quadro de Salvador Dali, e que revela o que antes as pessoas não conseguiam visualizar sozinhas; ou como um indivíduo comum, como eu e muitos de vocês, que não é capaz de enxergar em um bloco de mármore a matriz de uma escultura de Davi como Michelangelo foi capaz de fazer. Apenas com estudo ou mero talento
são poucos que conseguem alcançar essa visão. A prática reiterada e a intuição do negociador podem facilitar essa revelação; podem trazer para as partes a possibilidade de um futuro que faça mais sentido do que a realidade conflitiva e desgastante que estão vivendo naquele momento. Concessões presentes para ganhos futuros, tangíveis e intangíveis. Eis aí a arte da negociação, a ciência das possibilidades.

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